Test Drive – Blindado GAZ TIGR!

Túlio Ricardo Moreira

Todos nós, amantes da Defesa, temos acompanhado os desdobramentos da crise que se passa na Ucrânia. Entre filmes e imagens que a cada dia se multiplicam na internet e demais mídias, uma viatura blindada multiemprego tem se tornado cada vez mais frequente: o Tigr! Mas que carro é este, por que os russos confiam tanto nele, a ponto de desdobrá-lo às centenas em uma área à beira de um conflito que pode chegar a proporções inimagináveis? É o que nos propomos a tentar responder, demonstrando algumas de suas capacidades e nossas impressões pessoais ao rodarmos nele, tanto nos assentos para passageiros/tropas quando no do condutor. O teste abaixo foi realizado em um dos blindados Tigr da UNOE (Unidade Nacional de Operações Especiais), grupo da Guarda Republicana da República Oriental do Uruguay especializado em ações antiterror e combate ao crime organizado/transnacional, entre outras missões típicas de grupos de operações especiais. Pelo equipamento, treinamento e profissionalismo, além do âmbito federal de suas atividades, comparamos a UNOE ao COT da Polícia Federal Brasileira.

 Vista traseira do Tigr. Notar as seteiras e a câmera no topo, além da ampla distância para o solo.

 Breve Histórico

O Tigr, embora apresentado ao público pela primeira vez em 2001, só entrou em produção seriada em 2007. Na verdade o veículo foi inicialmente pensado como um utilitário de duplo emprego com versões civis e “militarizadas”, com a finalidade de concorrer no mercado com veículos da classe do norteamericano Hummer (cuja concepção foi inversa, nasceu como militar e depois se tornou civil, tendo inclusive de trocar o nome para Humvee, pois o original passou às versões civis, dado seu forte apelo comercial). Não obstante, o Tigr entrou em produção já na versão militar/policial, sendo extremamente útil em patrulhamento de áreas de risco, escolta a comboios, ações antiterror (como a condução segura de grupos de operações especiais), etc.

Uma curiosidade é que uma unidade deste veículo foi extensivamente testada pelo famoso BOPE/RJ até 2011. A encontramos na Guardia Republicana do Uruguay, ainda com marcas dos testes de resistência a disparos efetuados no Rio de Janeiro, junto com outras similares, adquiridas depois. Há diversas versões desta viatura no mercado, sendo a testada muito parecida com a GAZ-233036 mas com acréscimos à blindagem pouco comuns às versões russas que temos visto (como uma chapa extra frontal). Talvez sugestão do BOPE…

Chapa extra frontal de blindagem. Notar a seteira frontal para o “carona”.

A Viatura

O Tigr, na versão que testamos, pesa cerca de seis toneladas e meia vazio e até oito quando plenamente carregado. Como pode ser visto na foto acima, os pneus radiais 335/80 R20 (com proteção balística e capacidade de ter sua pressão interna alterada de acordo com o terreno a ser transposto) são do tipo para piso comum (misto) e ainda assim não tivemos qualquer problema mesmo em manobras mais radicais em solo como grama, areia, lama, etc. Muito da estabilidade e desempenho do veículo se prende à sua suspensão independente, com barras de torção e amortecedores hidráulicos telescópicos, bem como ao potente motor diesel Cummins de 215 hp. À blindagem original foram adicionadas proteções do tipo Spall-Liner. Há ainda ar condicionado, sistema de som, radiocomunicação segura e quatro câmeras externas que, em emergências, podem ser usadas pelo condutor para dirigir, bem como pelo chefe do carro para maior consciência situacional. Todas as janelas são dotadas de seteiras para tiro do interior do veículo, além de haver duas portinholas quadradas no teto, a frontal abrindo para trás e a traseira abrindo para a frente, proporcionando campo de visão de 360º a dois Operadores que as ocupem, bem como proteção balística às suas costas. E podem ser usados equipamentos realmente poderosos, como o mostrado na foto abaixo:

Fuzil antimaterial Peregrino .50, projetado e construído no Uruguay, usado pela escotilha superior frontal.

 Algumas características “de manual” (com comentários do autor):

  • Comprimento: 4,61 m (como o que testamos tem as chapas extras frontais, o amigo leitor pode acrescentar alguns centímetros a mais).
  • Largura: cerca de 2,20 m.
  • Altura: cerca de 2,00 m.
  • Altura livre sobre o solo: cerca de 40 cm (nossa impressão foi de mais do que isso)
  • Raio de giro parede-a-parede: menos de 9,00 m.
  • Motor: Cummins B-215 a diesel, seis cilindros em linha, turbo, 215 hp.
  • Tração: manualmente alternada entre 4 x 2 e 4 x 4.
  • Velocidade Máxima: segundo o fabricante, esta versão alcança cerca de 140 km/h; segundo os Operadores da Guarda Republicana, ninguém ultrapassou 130 mas também ninguém disse que tentou.
  • Autonomia: o fabricante coloca como sendo de 900 km. Um dado a ser acrescentado é que se deve ter cautela com este tipo de informação, eis que uma VTR deste tipo (e agora o autor fala de todas as que existem) dificilmente irá percorrer trecho tão longo em velocidade de cruzeiro, já que, conforme a situação tática, as manobras, subidas, descidas e consequentes trocas de marcha serão constantes e…lá se foram os 900 km.
  • Vau (transposição de curso d’água sem preparação): cerca de 1,20 m.
  • Degrau (transposição de obstáculo vertical): cerca de 45 cm.
  • Inclinação lateral totalmente carregado: cerca de 30º.
  • Capacidade: até 10 pessoas ou 1,5 toneladas de carga.
  • Sistema Elétrico: duas baterias de 12 v ligadas em série. Uma curiosidade: após desligar o motor, há uma chave no painel que, se acionada, desativa completamente o sistema elétrico, no que resulta que, se a VTR for mantida parada e com o motor desligado por longos períodos, a carga das baterias será mantida, ou seja, basta desativar o citado comando, dar a partida e sair.
  • Preço: cerca de 300 mil dólares a unidade.

 Detalhe da suspensão e chassis do Tigr.

 Andando no Tigr!

E finalmente chegamos ao que interessa de verdade. Após detalhado briefing sobre as características da VTR e trajeto a ser percorrido, ministrado por nada menos que o Inspetor Principal Rovert Yroa Cedrés, Diretor Nacional da Guardia Republicana, ficou combinado que o autor inicialmente embarcaria como passageiro (ou seja, no banco do “carona”) enquanto o Comandante conduziria pessoalmente a viatura e daria ulteriores explicações e demonstrações de seu desempenho e emprego dos comandos durante a condução.

O Comandante Rovert explica ao autor o trajeto a ser percorrido.

Passou-se então à parte prática. Embarcaram apenas o Comandante e o autor. A primeira explicação/demonstração foi sobre o funcionamento da embreagem (manual), na qual a primeira marcha é engatada puxando-se a alavanca para a esquerda e logo a seguir para trás; o mesmo movimento feito para a frente engrena a marcha-a-ré. Reto à frente é a segunda, para trás a terceira e assim segue. O amigo leitor poderá compreender melhor assistindo ao filme que acompanha esta matéria. Os pneus foram mantidos em sua pressão máxima, para “apimentar” um pouco mais o Test-Drive, principalmente nas partes de terreno desfavorável.

Logo nos primeiros contatos o autor notou que o Comandante não é nenhum burocrata de gabinete mas sim um autêntico Operacional. Isso ficou ainda mais claro ante o modo agressivo porém seguro de conduzir o pesado veículo, que demonstrava uma agilidade impressionante, ziguezagueando entre árvores e outros obstáculos, fazendo curvas fechadas e manobras radicais, como entrar sem escolher ângulo de ataque em atitudes como rampas laterais de mais de 30º (danou-se o manual) de inclinação a mais de 60 km/h e seguindo por elas. O autor mal notava o que estava acontecendo, tal a eficiência da suspensão. Mais claramente: os olhos viam que o Tigr estava indo rápido e bem inclinado mas o corpo não se dava conta, permanecendo na vertical. Logo após, demonstração do comportamento da VTR em rampa descendente, com frenagem brusca, marcha-a-ré e tendo de manobrar em um espaço cheio de árvores e postes, o que o Cmt, habituado à condução deste carro, executou com maestria e facilidade tais que, naturalmente, assustou o autor: teria de fazer tudo aquilo pelo menos quase tão bem e…sem causar acidentes. 

 Tigr entrando forte em curva fechada para contornar um pavilhão. Mesmo com pouco espaço entre o citado pavilhão e a cerca, o carro passou fácil.

 A partir daí, passou-se à pista de instrução para condução em terrenos difíceis, que consiste em um retângulo de areia e terra misturados e que, em determinado ponto (particularmente desfavorável ao condutor), é alagado, tornando-se uma verdadeira sopa de lama com uma lâmina d’água por cima. Para ficar mais “fácil”, não há acesso plano, precisa-se ultrapassar um barranco para entrar e para sair. A pista é razoavelmente menor que um campo de futebol e ali se deve ser capaz de fazer de tudo, andar reto, curvas fechadas e mais abertas, manobras em “S” e frenagem em diversas atitudes e velocidades. A “cereja do bolo” é entrar na parte alagada à velocidade em que se estiver, frear sem sair da pista, parar totalmente e depois arrancar outra vez já efetuando nova curva, isso tudo sem atolar. O Comandante saiu-se muito bem neste teste. Nenhuma surpresa de nossa parte. Para ficar gravado na mente do autor, repetiu-se todo o trajeto, com o Comandante repetindo as instruções de condução à medida que dirigia e ia demonstrando. E chegou a vez do autor…

Domando o Tigre!

Esta parte não terá fotos. O filme abaixo fala por si. Após a troca de lugar com o Comandante e o embarque do nosso colega Gerson Victorio, Editor de Imagens do Portal Defesa, que viajou do MS até Montevideo apenas para registrar os Test Drives (fizemos outros no mesmo dia, um com outro 4 x 4 – este não-blindado – e uma arma, além de filmes a serem adicionados a matérias já postadas mas que não os têm), o autor engrenou a primeira e partiu. A primeira curiosidade foi o pequeno tamanho do pedal do acelerador o que, no fim das contas, em nada atrapalhou. Igualmente interessante foi o tamanho do volante, similar ao de um automóvel comum. Após um – esperamos a compreensão do leitor – início algo tímido, em que até errou marcha (triste essa mania de achar que a primeira é sempre para a frente, mesmo sabendo que nem sempre o é), o autor resolveu ver do que o Tigr é feito: executou as mesmas manobras que o Comandante, incluindo uma freada à Fred Flintstone, após ziguezaguear entre árvores e postes e contornar o pavilhão. Eram mais de 6,5 toneladas de metal mas, ao achar uma reta suficientemente longa para chegar a 40 km/h (25 mph), “cravamos” o pé no freio e o Tigr parou em, na visão do autor, menos de míseros cinco metros…se tanto! O ABS do carro é de primeira mesmo, era asfalto e não ficou a mínima marca de frenagem. Inclinado na mesma rampa anteriormente usada por nosso Instrutor, manter o carro em linha reta longitudinal era extremamente fácil, o que levou o autor a “abusar” um pouco do acelerador. Já as manobras de ré em rampa inclinada foram efetuadas corretamente mas em velocidade sensivelmente menor que a do Comandante Rovert, pois reconhecemos não ter sequer uma fração da experiência dele com o Tigr. Mas sem incidentes mesmo aí. Então resolvemos que era hora de dar uma voltinha no inferno…

 

E foi exatamente para onde fomos. Após entrar realmente forte pelo barranco que circunda a pista para terrenos difíceis (basta observar no filme, nosso cinegrafista – que estava logo atrás, em um dos assentos para passageiros, os quais são laterais, complicando-lhe a vida – levou um tranco tão feio que a câmera oscilou entre o piso e o teto do carro), “aterrissamos” no piso fofo e escorregadio já fazendo uma curva fechada de quase 360º, para em seguida efetuar outras manobras que se concluiram com a parada total e passagem do câmbio ao neutro no meio do pior trecho, o lamaçal: da posição do autor, só se via água à frente e lados. Então, engrenar a primeira e sair. Surpreendentemente fácil, o felino nem patinou, saindo com simplicidade e elegância de um local onde poucos outros veículos sequer o fariam. Mais algumas manobras cada vez mais agressivas naquela pista, pois o autor aumentava de modo exponencial sua confiança no carro e em sua capacidade de conduzi-lo (a rigor, cremos que qualquer um que já tenha dirigido um jipe ou pick-up pode fazê-lo, o bichano é extremamente dócil ao condutor), saímos da pista e retornamos ao ponto de origem, onde nosso Editor de Imagens desembarcou, pois havia uma atividade em andamento que requeria sua atenção, já que faz parte de uma outra matéria. Por sugestão do Comandante, passamos para uma repetição do trajeto, concluída com uma espetacular entrada quase de lado no lamaçal, levantando uma coluna de água da altura do veículo. O autor lamentará até o fim de seus dias não ter pedido ao colega e amigo Gerson que ficasse a postos para registrar o que certamente seria uma cena de tirar o fôlego, o Tigr quase rodando, levantando uma muralha de água e barro e saindo em “S” do atoleiro, sem ameaçar perda de controle em momento algum. O volante permaneceu firme e preciso o tempo todo nas mãos do autor. Então, retornamos outra vez ao ponto inicial, onde desembarcamos – não sem alguma tristeza – do soberbo veículo para embarcar no seguinte e repetir tudo. Mas aí já é assunto para outra matéria…

Conclusão

Ao final do teste, cremos ter respondido ao nosso próprio questionamento no início deste artigo: os russos (como outros usuários deste magnífico blindado, entre eles o Uruguay – onde o testamos – a China, Armênia, etc) os distribuem em áreas tão problemáticas e perigosas como a Ucrânia/Criméia pela mais simples das razões: ele inspira total confiança no cumprimento das missões para as quais foi desenvolvido. Aliás, se a sensação de conduzir este blindado pudesse ser condensada em uma única palavra, o autor sabe muito bem qual escolheria: PODER!

Uma curiosidade final: somente após concluir o Test-Drive é que o autor se deu conta de que em momento algum foi acionado o 4 x 4, tendo mesmo os terrenos mais difíceis sido superados com facilidade em 4 x 2! Indagado a respeito, o Comandante respondeu com espartana simplicidade:

– E por quê? Te fez falta em algum momento?

O autor apenas sorriu. Realmente, para o Tigr precisar de tração 4 x 4 o terreno e/ou a situação tática devem ser realmente críticos (um caso assim é mencionado pelo Comandante perto do final do filme acima)…

Agradecimentos:

Como não poderia deixar de ser, o autor deseja novamente agradecer ao Ministério do Interior da República Oriental do Uruguay e sua valorosa Guarda Republicana, pela bondade em nos proporcionar acesso irrestrito a suas instalações e equipamentos. Agregamos um agradecimento muito especial ao Insp. Ppal. Rovert Yroa Cedrés, Diretor Nacional de la Guardia Republicana, por sua gentileza, simpatia e principalmente pela paciência para conosco, quando cometíamos algum erro. Saímos do Uruguay levando no coração mais um Amigo, um autêntico Gaúcho – pronuncia-se “gáutcho” lá – com o qual repartimos não apenas o mate amargo mas também vivências pessoais e profissionais.

AVISO: todas as imagens foram produzidas por nosso Editor de Mídias, Gerson Victorio, e pertencem ao Portal Defesa, bem como o texto. Reproduções totais ou parciais dependem de permissão escrita do Site.

 

Portal Defesa

7 Responses to Test Drive – Blindado GAZ TIGR!

  1. Túlio Ricardo Moreira disse:

    Pessoal, o DB está no ar, estou logado lá neste momento.

  2. Wingate disse:

    Túlio,

    Cupincha véio, o Fórum Defesa Brasil foi tirado do ar? Agradeço uma confirmação do amigo.

    Grato,

    Wingate

  3. Juarez disse:

    Túlio, tu chegastes a observar que tipo de sistema de injeção tem este motor Cummins, bomba injetora mecância ou common rail?

    Outra questão: Existe uma versão copm transmissão automática e ainda qual a origem da transmissão mecânica que equipa esta versão do Uruguai?

    Att

    Juarez

  4. cassio disse:

    bom dia companheiros do Portal Defesa, alguém saberia me dizer porque o o forum Defesa Brasil não esta no ar?

  5. Túlio Ricardo Moreira disse:

    Ao amigo Ilya cabem méritos também, pois ajudou na elaboração da matéria. Ao amigo Ricardo Pereira, nossos agradecimentos, não conhecíamos o teu Blog (e não sabíamos o que estávamos perdendo!). Já está nos Favoritos e vamos seguir acompanhando.

    Túlio

  6. Ilya Ehrenburg disse:

    A matéria do test drive do Tigr está excelente.

    Parabéns, Túlio.

    Gerson Victorio, ascende ao posto dos grandes fotógrafos. Os parabéns do amigo Ricardo Pereira, expert em imagens vale muito.

    Tenham os amigos a certeza que o esforço foi recompensado com uma matéria excepcional.

    Abraços,

    César A. F.

  7. Ricardo Pereira disse:

    Parabéns pela matéria nobre Túlio Ricardo Moreira, muito boa e parabéns também ao nobre Gerson Victorio pelas imagens.

    Ricardo Pereira

    Assuntos Militares

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