Presente de…russo?

Publicado em: 03/03/2014

Categoria: DESTAQUES

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Do Rio de Janeiro

Tudo começou como um agrado. Com a intenção de presentear a República Socialista Soviética Ucraniana, o Secretário Geral do Partido Comunista, Nikita Khrushchov, entregou em 1954 a Península da Crimeia ao controle ucraniano.

Um presente que está na origem de toda a tensão vivida hoje na região.

A Península da Crimeia, um punhado de terreno de apenas 26.000Km quadrados, um pouco menor que o estado de Alagoas, sempre possuiu um alto valor para a Rússia por diversos fatores.

Foi conquistada em 1783 e desde o mesmo ano é o lar do Quartel General da Frota Naval no Mar Negro da Marinha Russa. O Mar Negro é um meio aquático estratégico que a liga à Romênia, Bulgária, Georgia e Turquia, esta última onde esta o Estreito de Bósforo, ligação do Mar Negro, e conseqüentemente da Marinha Russa, com o Mediterrâneo.

Com a dissolução da União Soviética, em 1991, este território valioso estava agora sob comando da Ucrânia, República que acabara de se tornar independente. Ai veio o arrependimento do presente dado.

A Crimeia é legalmente território Ucraniano, porém sempre foi muito mais voltado à Rússia do que a Ucrânia. Em uma série de pesquisas, sendo a última de maior vulto um censo realizado em 2001, 58% da população da Península era composta por russos. Outras pesquisas mais recentes e indiretas apontam a preferência da maioria esmagadora da população da região pela aproximação com a Rússia.

O descontentamento da região com sua anexação à Ucrânia veio a tona logo após o fim da União Soviética. Em 1992 o governo local chegou a ensaiar uma independência, porém acabou se tornando uma República Autônoma ainda sob domínio de Kiev.

Temos então um caso típico da região, dos países e povos órfãos da União Soviética e que na confusão do final da Guerra Fria, acabaram se encontrando em territórios divididos e sem muita ligação com sua identidade original.

Uma situação que deixa impossível não fazer uma comparação com a tensão vivida em 2008 na região da Georgia, Ossétia do Sul e Abkhazia, onde a Rússia acabou se envolvendo e dando início a uma guerra de cinco dias.

A situação era muito similar, a região de Ossétia do Sul e Abkhazia possui maioria russa, e na época da dissolução da União Soviética acabaram ficando sob domínio da Geórgia. Uma situação pouco apreciada pela população, que mais ou menos na mesma época, assim como a Crimeia, acabaram se declarando independentes.

A independência das duas regiões nunca foi reconhecida pela Geórgia, que passou a os tratar como regiões separatistas, dando início a conflitos e tensões que escalaram até um ponto insuportável alcançado em Agosto de 2008.

Quando as intenções do presidente da Georgia, Mikheil Saakashvili, em reaver as regiões separatistas à força se tornaram claras para o mundo, Dimitri Medvedev, então presidente da Rússia se manifestou afirmando que faria de tudo para proteger os cidadãos russos que residem tanto na Ossétia do Sul como em Abkhazia, e enviou tropas para reforço da região.

A invasão de Mikheil veio no dia 7, e a guerra explodiu.

Na atual tensão entre a Ucrânia e a Rússia, Valdmir Putin já declarou que estaria disposto a deslocar forças militares para a Crimeia com o intuito de proteger a população russa que vive na região. Alguma semelhança nos argumentos?

Em Sebastopol, cidade independente da Crimeia e a maior da Península, estão localizados os Quartéis General da Frota do Mar Negro da Marinha da Rússia e da Infantaria Naval Russa, e espalhadas pela Crimeia existem mais 12 unidades militares russas. Algumas são apenas torres de comunicação, outras, porém são regimentos de mísseis e até algumas Bases Aéreas.

As bases são alugadas pela Rússia, em um acordo que abrange inclusive o número de militares a serem lotados nelas. A Rússia não poderia, portanto, aumentar o contingente sem autorização de Kiev. Mas tem acontecido exatamente isso.

Somando todas essas questões étnicas e históricas, fica difícil dizer até onde podemos chamar a ação russa de invasão. Até por que não são raras as fotos divulgadas de civis da Crimeia celebrando a presença de militares russos nas ruas. Um exemplo disso foi uma cena inusitada do último sábado, quando um homem aproveitando a presença de repórteres correu em direção a uma base russa na Crimeia erguendo a bandeira russa, e se dizendo feliz com a possibilidade da região voltar a ser russa.

A divisão é tanta, que o Almirante Denis Berezovski, Comandante da Marinha da Uncrânia empossado pelo atual presidente interino no último dia 28, jurou lealdade à Crimeia, e declarou que não cumpriria ordens de Kiev.

O Comandante foi substituído imediatamente, mas a inclinação do Almirante não é isolada dentro da força naval ucraniana, muito pelo contrário. A Marinha da Ucrânia surgiu como parte da Frota do Mar Negro da Marinha da Rússia, e tradicionalmente é muito mais ligada a Rússia do que a Kiev.

É preciso entender que as manifestações que tiveram início em Novembro passado e culminou na expulsão do Presidente Viktor Yanukovych mês passado, representam um divisor de águas na relação entre os dois países.

O alinhamento do Governo Ucraniano com o Russo sempre foi fundamental para a manutenção dos acordos e para que toda essa “salada” de nacionalidades, independências e/ou dependências funcionasse sem maiores problemas.

O alinhamento se foi, e com ele os acordos e toda a “boa intenção” de fazer tudo dar certo.

A situação é mais grave quando é considerado o acordo assinado em 1994 pela Ucrânia, Rússia e Estados Unidos para a destruição das armas nucleares de Kiev, herdadas da União Soviética. No acordo ficou estabelecido que a Rússia e os Estados Unidos zelariam pela segurança da Ucrânia no caso do país se envolver em alguma guerra. Os países deveriam garantir a soberania e as fronteiras Ucranianas, o que agora se torna um problema muito maior, já que a tensão é justamente entre dois dos três países, deixando os Estados Unidos livre para escolher um lado, e já o fez.

O Secretário de Estado, John Kerry, vai à Ucrânia esta semana apresentar seu apoio ao novo governo alinhado com a União Européia. A pressão internacional já resulta até mesmo em ameaça de expulsão da Rússia do G8, o grupo de países mais industrializados do mundo.

O fato é que a Crimeia foi um presente de grego dado pela Rússia, e que se arrependeu amargamente pouco depois. O arrependimento é maior hoje graças à descoberta de um grande depósito de gás no solo da Crimeia, e que deverá começar a ser extraído em 2017. Um recurso que diminuiria drasticamente a dependência da Ucrânia do gás Russo.

Este fator, por enquanto pouco explorado pela mídia internacional, deve estar entre os mais importantes para a tomada de decisão da Rússia em aumentar sua presença na pequena Península.

O Parlamento russo autorizou não só o aumento da força militar russa na Crimeia, como também o envio de tropas para toda a Ucrânia, caso seja desejo de Vladmir Putin.

E esse respaldo já está sendo utilizado. Hoje, segunda-feira, caças russos invadiram o espaço aéreo ucraniano.

É aguardar para ver.

Portal Defesa

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