Vamos começar definindo o que é uma ogiva HEAT – High Explosive Anti Tank, Alto Explosivo Anti Tanque – usada para destruir/incapacitar blindados. É um tipo de carga química/cinética (em contraste, um APDSFS é puramente cinético, pois depende apenas de sua massa multiplicada pela velocidade, enunciada pela fórmula Ec(t) = mv²/2) já que depende da explosão de uma (ou mais de uma) Carga Moldada (Shaped Charge) por um cone de metal de forma aproximadamente côncava. Esta explosão inverte a forma do cone de metal para convexa até derretê-lo completamente, enviando um jato de metal derretido e gases incandescentes em direção ao alvo através de um espaço praticamente vazio à frente da ogiva. Como é um espaço quase oco, daí o termo Hollow Charge (Carga Oca). Não há um consenso entre a comunidade científica sobre se o metal do cone mantém durante este processo características que ainda o enquadrem como o material original ou se forma uma espécie de plasma. Não obstante, é de justiça dizer que, embora a INICIAÇÃO da reação (explosão) que produz o Efeito Neumann (um aperfeiçoamento do Efeito Munroe) seja efetivamente química, seu efeito terminal é CINÉTICO, já que não é calor que “derrete” a blindagem como um maçarico mas o sim o jato/plasma de metal derretido em hipervelocidade é que a penetra. Uma consideração adicional: ogivas HEAT tendem a perfurar blindagens de menos de quatro a mais de dez vezes o seu próprio diâmetro, dependendo do material que forma o cone metálico e do tipo e quantidade de explosivo que usa e a resiliência do alvo. Aqui um diagrama esquemático sobre uma ogiva HEAT básica:
1 – Cobertura balística. Na verdade serve para: a) manter o melhor coeficiente aerodinâmico possível ao projétil como um todo, visando maximizar o efeito propulsivo e aumentar o alcance e precisão; b) manter a espoleta que detona a carga em distância ótima ao seu maior poder destrutivo, já que se explodir perto demais o jato destruidor não alcançará sua melhor performance e longe demais começará a se dissipar e c) dar alguma proteção ao mecanismo interno da ogiva.
2 – Redutor. Serve para melhor concentrar o jato numa direção só, ou seja, tão reto à frente e tão fino quanto possível, visando a maior penetração possível..
3 – Cone de metal, que serve para a) moldar a carga explosiva e manter sua coesão e b) unir-se ao efeito da explosão contra o alvo. Nas HEATs mais comuns usa-se o cobre mas foram (e continuam sendo) testadas muitas outras, como alumínio, tântalo (que tem sido usado em armas mais modernas), molibdênio e até urânio exaurido.
4 – Detonador da carga explosiva.
5 – Carga explosiva. As mais comuns são feitas de Octol (baseado em HMX ou Ocotogênio, um explosivo potentíssimo porém excessivamente sensível para ser seguro no uso, então é misturado com outros componentes mais estáveis como TNT) ou outros baseados em RDX que, com misturas semelhantes, formas os chamados Ciclotols ou Ciclonitas. Daria para ir bem mais longe nesta explicação mas aí se estaria infringindo leis vigentes…
6 – Iniciador piezoelétrico do detonador. Ao entrar em contato com o alvo, produz uma corrente elétrica que ativa o detonador em distância ótima.
Ogivas HEAT têm tido diversos usos militares, não apenas para serem disparadas contra veículos blindados. Por exemplo, os engenheiros alemães em Eben Emael usaram cargas assim para demolir ou abrir brechas nas fortificações, e aí vemos outra peculiaridade da HEAT: independe de velocidade inicial para fazer efeito! Também podem ser usadas desde RPGs comuns até sofisticados mísseis AC (além de minas AC, torpedos, granadas disparadas por fuzil e mesmo submunições – Bomblets – aerolançadas em bombas Cluster), e mesmo em munições de artilharia, embarcadas em CC ou não.
Mas neste último caso enfrentam a concorrência das munições puramente cinéticas, como as APFSDS que, com sua muito maior velocidade inicial, dão menor chance aos CCs inimigos para tentarem uma reação/manobra evasiva.
Mas defesas foram criadas, como a blindagem reativa (ERA) que, ao ser atingida pela ogiva HEAT, explode, dissipando e desviando a carga principal. A contrarreação não se fez esperar, e em duas formas básicas:
OGIVAS HEAT EM TANDEM (Tandem Warhead)
Trata-se, em sua forma básica, de colocar uma ogiva menor à frente da principal. Esta explode e enfrenta os contraefeitos da ERA, inutilizando-a e abrindo caminho para a carga mais potente fazer o seu trabalho, como o míssil Falarick 105, que pode ser disparado por peças neste calibre embarcadas em CCs. Como curiosidades deste conceito, podemos citar o míssil Hellfire II e uma munição russa para canhão de 125 mm, que possuem cargas em tandem do mesmo diâmetro. Curiosamente, estas duas armas não visam a aumentar a penetração mas sim causar efeitos além da blindagem, numa simulação de uma carga HESH combinada à HEAT. O Hellfire II ainda conta com o recurso de uma camisa de fragmentação, para aumentar ainda mais a sua já imensa letalidade.
OGIVA DE ATAQUE PELA VIA SUPERIOR (Top Dawn Attack)
Visa atingir o CC inimigo pelo seu ponto mais vulnerável, a parte superior. Confiram a letalidade de um ataque assim. É um TOW2B pegando um T-72. Notar que a torreta sai voando como uma rolha de champanhe…
Devemos notar que o TOW2B visto no filme possui um novo arranjo de ogivas em tandem cujo cone é composto de tântalo, ambas orientadas para baixo e com detonação simultânea (para incrementar a letalidade contra ameaças atuais e futuras).
O método é ligeiramente diverso do usado no BILL 2 que, embora também usando ogivas direcionadas para baixo, leva em conta a possibilidade de haver ERA na parte superior. Então seu algoritmo de detonação é o seguinte: primeiro a ogiva frontal (menor) detona, inutilizando a ERA; quase que imediatamente após, a segunda ogiva entra em funcionamento, perfurando a mais fraca blindagem superior, agora desprovida de ERA.
Excetuando a parte de guiagem, o que foi dito acima vale também para os seus irmãos menores e desprovidos de guiagem, os internacionalmente chamados RPGs (Rocket Propelled Grenades ou granadas propelidas a foguete) e aqui LRs (Lança-Rojões).
BRASIL
Atualmente há dois destes sistemas, desenvolvidos (na verdade o desenvolvimento continua, como explicaremos a seguir) e sendo adotados pelas nossas Forças Armadas: o míssil anticarro MSS 1.2 (guiado a laser) da Mectron e o lança-rojão ALAC (Arma Leve Anti Carro) da Imbel.
1 – Mectron MSS 1.2 – É um míssil AC com guiagem a laser algo semelhante à do Bofors RBS-70, ou seja, ao contrário de projéteis como o Hellfire, não há seeker na cabeça de guerra e sim receptores de comandos via laser na retaguarda do míssil. Isso complica o jamming, pois é difícil “iluminar” o buscador frontal com um feixe de laser mais potente, o que, ao menos em tese, poderia ser feito com o Hellfire e congêneres. Por outro lado, esta característica inviabiliza manobras circulares mais amplas, o que poderia inviabilizar a guiagem. A projeção do feixe de guiagem é progressiva, ou seja, o cone de radiação laser emitida em direção ao MSS vai aumentando de diâmetro à medida que o projétil se afasta do lançador. O controle é inteiramente digital, usando tecnologia PID, que minimiza o índice de erros do sistema de processamento.
Teste de lançmento do MSS 1.2
Este sistema tem sua origem em meados dos anos oitenta, quando a Oto Melara desenvolvia o MAF (Míssil Anticarro de Infantaria), programa que foi adquirido pela Engesa. Com a falência desta, o projeto entrou em letargia até ser destinado à Mectron – hoje membro do Grupo Odebrecht – que concluiu seu desenvolvimento e o colocou em produção. Já foram adquiridos lotes pelo Exército Brasileiro e Corpo de Fuzileiros Navais.
Principais características do míssil, segundo o CTEx:
DIÂMETRO (calibre) – 130 mm.
COMPRIMENTO – 1520 mm.
PESO COM O TUBO LANÇADOR – cerca de 24 kg.
CAPACIDADE DE PENETRAÇÃO EM BLINDAGEM HOMOGÊNEA DE AÇO – acima de 530 mm.
ALCANCE EFETIVO – aí temos uma contradição: o EB proclama como sendo de cerca de 2.000 metros, enquanto a Mectron diz que pode superar 3.000 metros. Em nossa opinião, o EB considera apenas o alcance em que ainda há combustível queimando e, portanto, as condições de guiagem são ótimas; já a Mectron considera também o fator inercial, ou seja, o movimento resultante do empuxo do motor já exaurido mas ainda suficiente para impulsionar o míssil por pelo menos mais mil metros, mesmo com redução progressiva da autoridade do Operador sobre a trajetória.
VELOCIDADE – mach 0.8, aproximadamente.
OGIVA – HEAT simples com explosivo HMX, também conhecido como OCTOGENO, sendo um dos explosivos mais poderosos atualmente em uso.
Já a Unidade de Tiro pesa cerca de 28 kg e pode elevar cerca de dez graus, com azimute de 360º e mira com 7 aumentos.
Notar ainda que o Operador dispara a arma da posição deitado, reduzindo sua exposição à ação inimiga. No filme abaixo, produzido pelo CTEx, note-se a precisão do MSS 1.2:
2 – Imbel ALAC – É um lança-rojão de transporte e operação por apenas um Operador, basicamente voltado à luta anticarro, embora possa também ser útil contra casamatas e posições fortificadas ou abertura de brechas em paredes para a entrada de Forças De Assalto, como demonstrado pelos americanos com seus AT-4. Aliás, a ALAC tem muitas carcterísticas em comum com sua congênere sueca, incluindo o calibre e configuração geral do projétil-foguete. Não possui qualquer guiagem, sendo puramente balístico, estabilizado por aletas. As miras e a empunhadura dianteira são retráteis, desdobradas apenas no momento do uso. Após este, o tubo é descartado.
Principais características, de acordo com o CTEx:
CALIBRE – 84 mm.
PESO PRONTO PARA USO – cerca de 7,2 kg.
COMPRIMENTO – cerca de 1,01 m.
ALCANCE ÚTIL – cerca de 300 metros, alcançados em menos de um segundo e meio.
VELOCIDADE DO PROJÉTIL – cerca de 250 metros por segundo.
PENETRAÇÃO EM BLINDAGEM DE AÇO HOMOGÊNEO – cerca de 250 mm.
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO – O FUTURO
Estão em andamento estudos e testes visando ampliar as capacidades e escopo de ambas as armas (no jargão do EB, são na verdade consideradas munições). Para ambas estão em desenvolvimento agora mesmo ogivas duplas, com a finalidade de, como descrito mais acima, tanto superar proteções do tipo ERA quando aumentar a penetração. Para a ALAC também se estuda uma versão descrita como antibunker; como de per si ela já possui esta capacidade, e levando em conta outras pesquisas, estas visando o desenvolvimento de ogivas termobáricas nacionais, acreditamos que seja este o ALAC antibunker em estudo. Já para o MSS a pesquisa parece mais focada em ampliar o alcance útil e, provavelmente, uma versão aerolançada (helicópteros e talvez o A-29 Super Tucano).
Fica faltando apenas – para ambos os equipamentos citados – uma versão biogival do tipo Top Down Attack, que não sabemos se está sendo pesquisada.
Nota – todas as fotos são do CTEx. O desenho usado para ilustrar a parte interna de uma ogiva HEAT pertencia ao tristemente extinto Site Defesa Brasil, de cuja equipe o autor teve a honra de fazer parte.
Portal Defesa
É isso mesmo Túlio, boa a informação do Bofors Bill que eu não lembrei já que os nossos Marines são pequenos e não são uma força independente tem muitos equipamentos exclusivos em menores quantidades como os MOWAG Piranha IIIC, neste campo nada é simples e cabe esta dificílima tarefa ao MD Brasil de julgar caso a caso em cada iniciativa tecnológica militar a opção que deve ser seguida pelas FFAAs sob sua direção.
É como gerenciar uma fogueira de vaidades, orgulho e ambição por verbas…
Quem gerenciará o projeto, quantos são os projetos similares ou complementares quem ficará, quem mandará e quais requisitos serão atendidos.
Quem sabe se o Lote do MSS 1.2 não foi convencido/imposto pelo MD Brasil ???
Assunto de política interna, mas é um caminho que não pode ser mais abandonado.
A situação do tempo que cada força era um ministério em separado sem um Ministério da Defesa sobre todas as elas e que cada um tinha suas pesquisas e compras independentes ficou no Passado.
AINDA BEM !
Não é tão simples, amigo Gilberto: o CFN realmente possui um lote de MSS mas sequer cogita de abandonar seus Bofors BILL, eis que o brasileiro ataca de modo convencional, ou seja, tem que se chocar contra a blindagem para detonar sua carga; já o sueco faz Top Down Attack, ou seja, sequer encosta no alvo, apenas o sobrevoa e, ao ser acionado o sensor de proximidade, detona pela via superior, normalmente menos protegida.
Quanto à questão sobre a integração entre as Forças, realmente é um problema, mas estamos vendo algumas iniciativas conjuntas que têm o potencial de ir reduzindo isso até acabar de vez. Mas acredito que vá demorar…
Sobre a versão de ogiva termobárica para o ALAC, se não me engano, a MB está colaborando neste desenvolvimento com o EB uma vez que a força naval tem um projeto próprio de ogiva termobárica para uso em canhões navais. CTM e CTEX colaboram neste desenvolvimento.
Acho que tecnologicamente o desenvolvimento mais promissor é o MSS 1.2 para uso em helicóptero que pode levar ao desenvolvimento de variantes mais eficazes e modernas.
O que poderia ser um diferencial no futuro desta arma é o Ministério da Defesa enquadrar a FAB para usar e colaborar no desenvolvimento das futuras variantes para uso em aeronaves.
O problema aqui é a FAB usar e colaborar num projeto de arma em que ela não lidera e que está numa área em que os FABIANOS consideram sua (armas aéreas). Historicamente as forças brasileiras não trabalham juntas e uma das principais funções do MD Brasil é tenta modificar isso com programas como o EC-275 mas é uma cultura difícil de mudar mesmo com mais de uma década de MD Brasil. A padronização do IA2 nas FFAAs brasileiras é outro esforço neste sentido de otimizar e padronizar os armamentos nas três forças.
A MB parece resistir a usar uma versão naval do A-Darter em seus navios da mesma forma que a FAB não cogita usar uma versão aérea do MSS 1.2 são outros exemplos deste tipo de dificuldade.
Quanto ao MSS 1.2 terrestre a MB através dos Fuzileiros Navais é usuário satisfeito do sistema desde o ano passado.
Ótima matéria, parabéns!